Percursos econômicos e históricos integram a vasta trajetória do grão até se tornar a bebida apreciada por brasileiros
Por Alexia Casagrandi - estudante de Jornalismo do UNISAGRADO para o Prêmio ABAG/RP de Jornalismo "José Hamilton Ribeiro" - Bauru, SP
26/10/2022 - 13h
Há 150 anos o Brasil ocupa o posto de maior produtor e exportador de café do mundo, segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). O grão é uma das principais commodities do país, e anda de mãos dadas com a história e o desenvolvimento da economia brasileira.
O café também faz parte do patrimônio cultural do Brasil, já que a bebida está enraizada na rotina de muitos cidadãos. De acordo com Rodrigo Mattos, pesquisador do Instituto de Pesquisa Euromonitor, em entrevista para uma matéria da Agência Brasil, calcula-se que a média de consumo de uma pessoa no território nacional é de 835 xícaras por ano.
Viveiro de Café na Fazenda São Sebastião (Foto: Página do Facebook da Fazenda São Sebastião, em Avaré)
A NAÇÃO DO CAFÉ
O café é uma das monoculturas mais importantes para o agronegócio nacional, e entra em 4º lugar no ranking de Valor Bruto de Produções (VBP), apontam dados do MAPA. O Ministério divulgou que, em 2021, sua contribuição foi de 42.598 bilhões no PIB brasileiro.
"Batemos recordes de safras. A gente abastece o mercado interno e também exporta café, então isso impulsiona de forma muito significativa o agronegócio", explica Érika Cristina Correia (35), engenheira agrônoma e professora do curso de Engenharia Agronômica na Unisagrado, em Bauru, SP, sobre o ano-safra de 2021/22.
A docente enfatiza que o café é fonte de material de estudo dentro da universidade. Os alunos aprendem sobre as grandes culturas, chamadas de commodities, como algodão, soja e café. No contexto do grão, são ensinadas várias técnicas de cultivo, desde a seleção da muda até o preparo do solo, bem como questões relacionadas a pragas, doenças e colheita.
"Commodities são produtos que têm um valor agregado no mercado externo. Os alunos estudam toda a fase vegetativa da cultura, as necessidades nutricionais e as hídricas", Érika exemplifica, e reitera que eles saem da graduação prontos para trabalhar no setor cafeeiro, se desejarem.
Fora das salas de aulas, a cafeicultura trabalha a todo vapor, e além de gerar grande impacto no PIB, abre muitas portas para os trabalhadores rurais no país. O Brasil é líder na produção mundial de café, responsável por 1/3 dela, com uma safra média de 60 milhões de sacas por ano, segundo análises do Observatório do Café. O Vietnã e a Colômbia vêm em segundo e terceiro lugar, respectivamente.
Em termos de território, os números também são extensos: o país tem hoje em torno de 2,2 milhões de hectares plantados do grão, e gera cerca de 2 empregos diretos e 2 indiretos para cada hectare. "A conta é de 8 milhões de empregos", relata Lucas Tadeu Ferreira (67), membro da Embrapa Café (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária).
CAFEICULTURA TRANSFORMA VIDAS
O agricultor aposentado Adair da Silva (63) é um exemplo de que trabalhar com café abre várias oportunidades. Ele conta que sua vida mudou aos 21 anos, quando foi contratado para comandar uma fazenda cafeeira na região de Avaré, SP.
"No começo foi um sufoco. Mudou o patrão de todos os funcionários, e eles não aceitavam. Com o tempo a turma foi entrando no esquema que eu queria, e ficou mais sossegado", ele conta.
Adair foi patrão de 40 funcionários, que moravam na fazenda onde trabalhavam. Ele salienta que a renda gerada para os agricultores era bem satisfatória, e que possuíam casas e atendimento médico custeado pela propriedade. "É algo muito bom para mexer. Era gostoso, na época de colheita era uma correria, a turma colhendo café, uns 200 sacos, e precisa lavar tudo no dia, senão estragava. Mas a gente pagava para colher por saco, então o valor compensava", relata.
Pés de café na Fazenda São Sebastião (Foto: Página do Facebook da Fazenda São Sebastião, em Avaré)
E não é só na lavoura que o café fornece oportunidades para trabalhar. Pesquisas acerca da planta, a industrialização e comercialização do produto, e até sua exportação, formam um elenco muito grande de ocupação. É o que ressalta Lucas Tadeu, que atua como chefe de Transferência de Tecnologia na Embrapa Café, a unidade especializada da Embrapa dedicada ao grão, em Brasília, DF. Ele também coordena o Observatório do Café.
Com 20 anos de atuação na área, Lucas destaca a grandiosidade das pesquisas. "Nós temos o Consórcio Pesquisa Café, que é coordenado pela Embrapa Café e tem mais ou menos 45 instituições de ensino com pesquisas. Todo esse conglomerado envolve aproximadamente 1000 pessoas, entre pesquisadores, professores e bolsistas. São 95 projetos em curso", explica o especialista.
Essas pesquisas comtemplam todo tipo de ação demandada pelo setor, que vai desde a semente da muda até o plantio do café, bem como técnicas de manejo e irrigação da commodity. É uma extensa gama de tecnologias, e os resultados visam aprimorar cada vez mais a lavoura cafeeira.
PRODUTO EM ESCALA HISTÓRICA
A magnitude do café no Brasil não se restringe aos dias de hoje. As práticas de trabalho com a planta puderam se desenvolver de modo progressivo e eficaz graças ao longo histórico do país com o grão.
Lucas Tadeu, membro da Embrapa Café, explica que a planta entrou no Brasil em 1727, e depois de mudar várias vezes sua localidade, se estabeleceu no Sudeste, sendo hoje o estado de Minas Gerais o maior produtor no país.
No século XIX, a demanda e produção foram grandes o bastante para torná-lo a principal fonte de economia do país. Sua importância foi tão grandiosa nesse período que recebeu um título histórico, o chamado "Ciclo do Café". A relevância da planta também deu origem aos "barões do café", homens milionários com grande poder de domínio nas terras brasileiras, graças ao tamanho de suas fazendas cafeeiras. Essas lavouras eram sustentadas por trabalho escravo, o que posteriormente foi alvo de diversas críticas de grupos políticos abolicionistas e republicanos, que faziam pressão e clamavam pela justiça e dignidade destes trabalhadores.
A mudança do transporte do produto foi algo decisivo para o futuro da cafeicultura. Antes, ele era levado do campo até os grandes centros de distribuição em lombos de mulas. Devido aos lucros gerados pelo cultivo, iniciou-se a construção de ferrovias no país, que além de tornar o transporte do grão mais rápido, interligou algumas regiões do Império e possibilitou um transporte mais funcional para todos os âmbitos da sociedade.
Lucas Tadeu relembra que a importância histórica não parou no Império. "Até o final da República Velha, tinha no Brasil o chamado modelo agrário exportador. Com a entrada do Getúlio Vargas na política, passou para o modelo urbano. Aí surgiram várias coisas, a Companhia Siderúrgica Nacional, legislação trabalhista, a Petrobrás e tantas outras instituições", ilustra.
Quando questionado sobre o que entende que o café é para o brasileiro, ele é perspicaz: "O café faz parte da nossa história. Ele é mais que uma bebida, é um produto de socialização. Tanto que a gente fala com familiares ou amigos, 'vamos tomar um café?' Então, considero que uma rodada de café é uma rodada de amigos", declara Lucas Tadeu.
Lucas Tadeu Ferreira, chefe de Transferência de Tecnologia da Embrapa Café (Foto: arquivo pessoal)
UM CAFÉ DE SUCESSO
Beber café funciona mesmo como um instrumento de socialização. Seu poder é vasto, e consegue até transformar um ambiente inteiro de trabalho. Foi o que aconteceu com João Rafael Prado (19), que estagiou no Tribunal de Justiça de Bauru. Ele fazia um café que ficou tão famoso no ambiente de serviço que o prédio inteiro parava para tomar.
Ele conta que começou a consumir a bebida por volta dos 15 anos, e em pequena quantidade. Quando começou a estagiar, João Rafael passou a tomar café com mais frequência, para focar nas atividades burocráticas.
O jovem diz que após sua entrada, era mais uma pessoa para tomar café no tribunal, e começou a acabar mais rápido. Foi aí que ele decidiu se oferecer para fazer o café, e assim podia aproveitar o tempo como um intervalo do expediente.
"O que aconteceu é que o pessoal do meu andar acabou gostando tanto do café que eu fazia, que a notícia se espalhou pelo prédio, e o andar de baixo começou a me pedir para fazer 2 garrafas, uma para cada andar", ele narra.
João Rafael considera a experiência como algo curioso, e até engraçado. "Quando o café ficava pronto, comemoravam como se o time de futebol deles tivesse feito gol. A sala toda gritava, 'Oba, chegou o café do Rafa', e às vezes o pessoal fazia até fila para tirar o café", lembra.
João Rafael Prado tomando café em sua casa (Foto: arquivo pessoal)
O rapaz também reparou, durante seu período de estágio, em como a bebida estava enraizada com a rotina de diversas pessoas ali. O café era parte essencial da jornada de trabalho de muitos, o que revela o quão presente ele é na cultura dos brasileiros.
BEBIDA E ROTINA ANDAM JUNTAS
O consumo de café é rotineiro para muitos. Diversos brasileiros experimentaram o líquido e nunca mais o deixaram de lado. Jacy Piassa (83), funcionária pública aposentada, está nesse contexto.
Jacy teve o primeiro contato com café bem cedo, aos 5 anos de idade. Sua família inteira consumia, então foi algo natural para ela. "De manhã, quando eu levanto, tomo café. Depois, durante a tarde, quando chega umas 16h, 17h, eu tomo de novo, com pão. Às vezes, umas 19h, eu gosto de tomar mais uma xicarazinha", relata sobre sua rotina com a bebida.
Ela tem tanto apreço pelo café que pediu para o marido arranjar uma muda da planta, só para ela acompanhar como funciona seu desenvolvimento. Plantou o pé em seu quintal, e desde então cuida dele, e observa como ele nasce, cresce e vive.
"O café é como se fosse uma pessoa na minha vida. Não sou capaz de ficar sem ele, nem quero. Sem café, meu dia não anda para frente", enfatiza Jacy.
Jacy Piassa em seu rotineiro café da tarde (Foto: arquivo pessoal)
Ainda que o café seja delicioso para muitos, é preciso ter atenção em relação à quantidade em que se consome, já que a cafeína em excesso pode ser prejudicial. Porém, o líquido também oferece benefícios para a saúde.
De acordo com um documento produzido pelo Consórcio Pesquisa Café, intitulado "Café & Saúde Humana", a bebida é saudável e rica em propriedades nutricionais. Além disso, os ácidos clorogênicos que se formam durante a torra do grão são benéficos para o sistema nervoso, e podem prevenir a depressão e o risco de infarto no miocárdio. O café também pode evitar o Mal de Parkinson, segundo apontamentos do arquivo.
© 2024 | UNISAGRADO. Todos os direitos reservados.